O FOGO:
Velas e Lamparinas

Em um mundo inundado pela iluminação elétrica, como o atual, em que circuitos ditam a intensidade de modernos sistemas de luminosidade, é difícil imaginar que, há pouco mais de cem anos, controlar uma chama representava um grande desafio tecnológico. O que se pode dizer é que, desde a descoberta de como produzir o fogo, há mais de meio milhão de anos, o homem dependeu dessa primitiva fonte de luz e calor durante a quase totalidade de sua existência. Nessa longa estrada, as evoluções foram tímidas e graduais, pois instrumentos como velas ou lamparinas nos acompanham desde o começo da civilização. Assim, mesmo após as primeiras décadas do ciclo de invenções que mudou o curso da história, no séc. XVIII, a escuridão da humanidade ainda era afastada pelos arcaicos pavios, que consumiam óleos e gorduras em afiladas chamas amareladas (CAMPO, A. V. Luces en las Minas de Asturias: Candiles de Sapo. Mieres, [s.n.], 2005. 255 p.). A longa evolução dos equipamentos de iluminação, que atravessa vários modelos de lâmpadas, é muito bem retrata pela mineração, pois foi através dela que foram desenvolvidos os principais mecanismos que, mais tarde, chegariam à Espeleologia, como formas de clarear os condutos escuros subterrâneos. Para entender, portanto, acerca das lanternas espeleológicas, é preciso, antes, mergulhar no universo das primeiras head lamps.





LAMPARINAS
De chapéu

A Revolução Industrial foi o período marcado pela busca, de forma incessante, de maneiras para tornar mais eficientes mecanismos simples, mas extremamente necessários à vida em sociedade ou ao crescimento das atividades econômicas, quando a civilização se voltou ao melhor aproveitamento de matérias primas, como os combustíveis fósseis e metais, transformando-os, através de derivados químicos, em produtos mais elaborados (Adaptado de HISTÓRIA EM REVISTA. A Força da Iniciativa: 1800-1850. Rio de Janeiro: Time Life, 1996. 176 p.). Nessa época, nos fins do séc. XIX, não se falava, ainda, em “lanternas”, ou pelo menos não no sentido dado hoje ao termo. Para afastar o escuro, a luz vinha do fogo, gerado a partir de pavios embebidos em óleo. Contudo, com o aumento do comércio e da demanda industrial, crescia igualmente a busca pelos combustíveis aos motores que moviam fábricas, trens, navios e toda a nova e incessante rede de máquinas que surgia. A indústria da mineração se modernizava e melhorava seus rendimentos a partir de curiosas invenções, porém ainda estava limitada por gargalos antigos. Países nos quais a Revolução Industrial ditava o ritmo da sociedade, normalmente, produziam grandes quantidades de carvão mineral, a principal fonte de energia que, nesse período, revolucionou o mundo. Tomando o exemplo dos Estados Unidos, a importância do carvão superou a madeira por volta de 1880, mantendo-se no topo até 1950 – quando perdeu o posto ao petróleo. Para se ter uma noção do que isso representava, pode-se ilustrar dizendo que, em 1914, havia cerca de 180 mil mineiros trabalhando na extração de carvão antracito, enquanto no carvão betuminoso, por volta de 1923, eram mais de 700 mil pessoas vivendo nas minas. Assim, uma multidão, especialmente formada por homens e crianças, diuturnamente se lançava em galerias escuras, impelida a cavar na escuridão.

Até a virada do séc. XX, porém, esses trabalhadores ainda se valiam de um instrumento de iluminação muito sujo e rudimentar, chamado de lâmpada de óleo de pavio (oil-wick cap lamp), que nada mais era do que um pequeno recipiente em formato de bule, no qual um pavio produzia uma fraca luz, gerando muita fumaça e fuligem, iluminando pouco além do rosto do mineiro (SANCHIS, J. M. Lámparas de Mina Españolas. Mitedit, [s.n.], [s.d], v. 1. pp. 47-54). Para os escavadores da indústria do carvão, essa luz representava um grande risco, pois a mesma chama, quando em contato com as concentrações de gases inflamáveis comuns nesses bolsões de carvão, produzia severos acidentes por explosões. Na verdade, já havia a chamada lâmpada de segurança (safety lamp) ou lâmpada de Davy, que era uma lamparina mais moderna, em que a chama não entrava em contato com esses gases por ficar isolada dentro de uma espécie de cápsula, mas o equipamento padrão de um trabalhador norte-americano era um boné de lona com uma aba de couro, a qual se fixava uma simples e pequena lamparina a óleo (The National Museum of Americam History, disponível em < http://americanhistory.si.edu >, acesso em 1 jul. 2016).




Surge
O Carbureto

No contexto do séc. XIX, a energia elétrica já era conhecida, mas havia muitas barreiras tecnológicas ao seu armazenamento e à sua distribuição. Não havia, por exemplo, soluções simples, portáteis e acessíveis para o emprego da eletricidade em equipamentos como as lanternas. O ciclo da Revolução Industrial, por outro lado, impunha necessidades constantes cada vez maiores de novas fontes de luz e, como não poderia deixar de ser, havia muita gente trabalhando para descobrir instrumentos que pudessem facilitar o dia-a-dia, tornar mais fácil a produção ou a extração de bens da natureza. A melhoria dessas condições de iluminação, a baixo custo, passava por tudo isso, pois representava um ganho de eficiência em setores mais vitais à sociedade fabril.

Foi nesse universo que um químico britânico chamado Edmund Davy, em 1836, anunciou a descoberta de um gás altamente inflamável: o acetileno. O gás acetileno, poderia representar uma solução eficaz à melhoria da luz, pois sua queima produzia uma chama bastante luminosa. Contudo, esse mesmo gás tinha um perigoso risco, porque era de fácil combustão, ou seja, causava fortes explosões quando mal armazenado. Esse problema, entretanto, foi solucionado poucas décadas depois, quando, em 1892, dois pesquisadores, um no Canadá e outro na França, conseguiram um modo de armazenar o acetileno de forma relativamente estável, a um custo economicamente viável, através da produção industrial de uma substância sólida, conhecida como carboneto de cálcio, hoje chamada como “carbureto”. O que Thomas Willson e Henri Moisan fizeram, respectivamente, na América do Norte e na Europa, cada um promovendo pesquisas separadas e independentes, foi combinar uma mistura de cal e coque valendo-se de um forno industrial elétrico. Esse processo produzia “pedras de carbureto”, um produto que regia, quando em contato com a água, liberando o gás acetileno. A vantagem do carbureto, portanto, foi que essa substância representou uma forma segura de armazenar o acetileno e o novo método de produção tornava seu custo final comercialmente possível (SANCHIS, J. M. Lámparas de Mina Españolas. Mitedit, [s.n.], [s.d], v. 1. pp. 122-128).

Poucos anos depois da descoberta, Thomas Willson venderia a patente da produção do carbureto à indústria Union Carbide, que foi responsável pela difusão do carbureto de cálcio na América do Norte e estimulou uma miríade de pequenos inventores a desenvolver sistemas de iluminação que se alimentavam do acetileno liberado pelas pedras de carbureto. Assim, nos primeiros anos do séc. XX as lanternas de carbureto invadiram as lojas e estava consolidado o início de uma revolução nas lanternas portáteis, que eram empregadas em indústrias, minas, ferrovias ou atividades domésticas. (The Carbide Lamps Encyclopaedia, disponível em < http://www.acethylene.com >, acesso em 10 dez. 2015). Toda essa sequência representou, à evolução das lanternas, um enorme passo em curto intervalo de tempo (pouco mais de dez anos), pois nesse ponto da história o homem pôde abandonar a lâmpada de pavio e inaugurar, nos primeiros anos de 1900, um novo modo de produzir luz através das lanternas de carbureto, que passaram a ser usadas em veículos automotores, carruagens, bicicletas e, especialmente, na mineração. A Espeleologia, uma ciência que somente ensaiava seus passos timidamente, nessa época, ainda não participou ativamente desse processo, nesse estágio. Mas, ao longo do século XX, herdaria todo esse conhecimento adquirido, transformando o carbureto no principal elemento de luz das explorações ao redor do mundo.




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LEWIS WICKES HINES, nascido em Oshkosh, Wisconsin, EUA, em 26 de setembro de 1874. O trabalho de Hines possui fortíssimo conteúdo crítico, imagens que impressionam pelo pioneirismo e pela atualidade de seu conteúdo, mesmo havendo sido produzidas há mais de cem anos. Atualmente, a Biblioteca do Congresso dos EUA (“Library of Congress”) detém um acervo de mais de cinco mil imagens de Hines. Esses registros são importantes documentos em várias áreas, inclusive, sobre a evolução dos equipamentos de iluminação. Várias das imagens apresentadas nessa página são o produto do trabalho do fotógrafo.

Download: O Trabalho Infantil pelas Lentes de Lewis Hine

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