CAPACETES
MINEIROS E MILITARES

OS PROTETORES DE CABEÇA MODERNOS evoluíram do uso militar e das aplicações mineiras. Nesse sentido, há um vasto conjunto de equipamentos feitos em couro, brim, resinas ou celulose, que podem ser agrupados como os primitivos anteparos introduzidos em cavernas para proteção do explorador. Nesse grupo são encontrados desde rígidos chapéus até bonés de algodão, pois variavam bastante, de região para região, conforme os usos e costumes de cada lugar. A expressão black miner helmet foi cunhada no Reino Unido, para designar um tipo específico de capacete escuro ou preto, feito a partir da prensagem de celulose e resinas, de modo a criar um material rígido e leve. Na Europa continental, especialmente na França e Alemanha, destacam-se chapéus produzidos em couro, chamados pelos franceses como barrette de mineur en cuir. Na América do Norte, a mineração de carvão empregou vários cascos primitivos e protetores, desde o soft canvas hat - como era conhecido o boné feito em lona - até o flexo band cool cap, que como os europeus, era feito de sola de couro. Todos esses engenhos são importantíssimos à compreensão da evolução dos sistemas de proteção e, uma parte considerável deles, foi utilizada, no final do séc. XIX e início do séc. XX, na exploração de cavernas.





CAPACETES
TÉCNICOS E ESPORTISTAS

EVOLUÇÕES TÉCNICAS e da petroquímica possibilitaram uma invasão de produtos plásticos no universo dos equipamentos de proteção. Rapidamente, a celulose e o couro foram permutados pelo policarbonato, enquanto as fibras sintéticas aposentaram os tecidos de algodão. Essa realidade não ocorreu de modo simultâneo em todos os países, especialmente, porque as grandes guerras desorganizaram vários parques fabris e modificaram o desenvolvimento industrial em muitos lugares. Contudo, percebe-se uma tendência, a partir dos anos cinquenta e sessenta (1950-1960), de um ciclo de renovação intensa dos antigos modelos de protetores de cabeça, que dominaram a primeira metade do séc. XX. Nessa época, os capacetes técnicos, assim chamados os equipamentos laborais de proteção individual – EPIs – certificados por agências governamentais, começam a concorrer com os protetores especificamente pensados para atividades recreativas ou esportistas, agora produzidos em larga escala. Assim, o período seguinte, que vai dos anos setenta aos anos oitenta (1970-1980), ainda mostra várias adaptações de cascos mineiros ao uso espeleológico, prática que, praticamente, desaparece na virada do séc. XXI, com a popularização dos produtos das grandes das marcas esportivas.





MINAS E CAVERNAS:
EVOLUÇÃO

O USO DE UM PROTETOR DE CABEÇA para atividades em meio subterrâneo nem sempre foi um consenso, pois é fácil encontrar, em gravuras antigas, registros de pessoas trabalhando em minas sem qualquer tipo de proteção. Entretanto, a funcionalidade de um anteparo ao crânio, que podia ser uma simples touca de tecido enrolado ou um chapéu grosso, ao longo do tempo, ganhou adeptos e, mais tarde, tornou-se um item praticamente indispensável, pelas funções associadas à prevenção de acidentes. Porém, os acessórios à cabeça do trabalhador mineiro, não foram, unicamente, pensados para proteger a parte mais sensível do corpo humano, pois também possibilitaram agregar vários dispositivos, como lâmpadas e outras ferramentas. A vantagem de ter a iluminação fixada à testa tornou-se, desde cedo, evidente, porque, com isso, houve a liberação das mãos ao trabalho, aumentando a agilidade e a capacidade de produção. Assim, os bonés, boinas e chapéus receberam encaixes ou furos frontais (séc. XVII-XVIII), nos quais se prendiam velas, lamparinas a óleo, e, mais tarde (fim do séc. XIX), bicos de gás ou pequenas lanternas de acetileno. As abas foram mantidas, mesmo inexistindo sol nas galerias, pois sua função passou a ser evitar a queda de fuligem nos olhos dos operários. E, aos poucos, o desenvolvimento experimental de equipamentos específicos à prática minerária foi surgindo.

A Escola Francesa de Espeleologia, certamente a mais antiga pacificação de práticas formuladas à atividade espeleológica, através de seu pioneiro fundador, Édouard-Alfred Martel, ao final do séc. XIX, começou a discutir técnicas e equipamentos rudimentares, em sua maioria, apenas adaptações de ferramentas que podiam ser utilizadas na exploração de cavernas. Nesse contexto, todo esse arcabouço, que estava sendo pensado e utilizado nas minas, representou a base inicial, sobre a qual os pioneiros exploradores de cavernas edificaram seus próprios conceitos, acerca dos equipamentos de segurança e iluminação. Martel, em suas palestras, artigos e brochuras, difundia não somente relatos de suas aventuras e observações técnico-científicas, mas também apresentava mecanismos e objetos que se fundiam às novas técnicas exploratórias que inauguravam a Espeleologia moderna. Porém, nesse campo, Martel, de início, não foi um gênio inovador. É o que se pode constatar dos instrumentos usados em suas explorações pré-1900, quais se resumiam a chapéus convencionais, velas, escadas de madeira e corda e plataformas suspensas. Basicamente, seu pioneirismo agregava objetos comuns do dia-a-dia à descoberta, quando são vistos, nas gravuras que retratam suas expedições, retratos de pessoas em trajes comuns, valendo-se de barretes, lamparinas e velas, para descer centenas de metros no ambiente endocárstico (nesse sentido, Les Abîmes, 1894).

É de fácil presunção, portanto, que, pela semelhança dos ambientes, equipamentos que eram utilizados na mineração, começassem a invadir as expedições espeleológicas. E, à medida em que a própria mineração começou a entender e assimilar a necessidade de evolução de seus próprios equipamentos, esses mesmos utensílios foram transpostos à Espeleologia. Por esse viés, há uma simbiose inseparável entre os primitivos equipamentos espeleológicos e a mineração.

Na França, essa evolução transpôs os antigos chapéus de couro (barrettes) com lamparinas fixadas por espetos metálicos (conhecidas como astiquettes), até chegar aos capacetes e sistemas híbridos (chamas e eletricidade). Os sucessores de E. Martel, especialmente, Robert de Joly e Henry P. Guérin, debruçaram-se com afinco sobre a questão dos equipamentos necessários à exploração. Em suas anotações técnicas, nas primeiras décadas do séc. XX, fecharam questão em torno da utilidade do capacete e passaram a discuti-lo de forma comparada. Por esse viés, os anos de 1920 e 1930 são uma época de amadurecimento das principais características do protetor de cabeça, enquanto experiências com os diversos modelos de equipamentos disponíveis na Europa, que, naturalmente, não haviam sido concebidos à Espeleologia, eram feitas nas cavernas. Participavam dessas análises e usos, como não poderia deixar de ser, os cascos oriundos das forças armadas e, também, aqueles já citados utilizados na mineração. Deve-se constatar que, ao término da Primeira Guerra Mundial, havia uma grande oferta de capacetes militares e uma boa parcela dos combatentes, ao retornar para suas casas, estava acostumada a usar esse tipo de equipamento, pelo que, empregá-los nas visitas às cavernas seria um desdobramento natural. Nesse universo, deve-se, obrigatoriamente, citar o capacete francês conhecido como Adrian, um design de perfil destacado, feito em metal, que, muitas vezes, era furado para adaptar bicos de gás ao uso nas cavernas. Seguem as observações:

“Nós (...) indicamos um capacete (mineiro) de fibra de celulose, feito na Inglaterra: Richard A. Bathgate, de Liverpool. É extremamente leve (275 g.) e não esquenta. Sua proteção contra os choques vindos de cima é boa, porque a distribuição da força é feita por todo o crânio, através de tiras cruzadas que integram a carneira. Porém, em caso de quedas, é menos eficaz que o modelo reforçado com espuma e borracha.” (JOLY. R. de. “Spéléologie: Manuel du Spéléologue”. Paris: Louis-Jean, 1937. 4ª ed., 1963. pp. 06-07. Tradução livre).

“A melhor proteção para Espeleologia é a de capacetes de acolchoados, com partes reforçadas por alumínio (Desmarquoy), que podem ter uma viseira e uma aba de proteção para o pescoço. Sua tampa é perfurada por orifícios para arejar o interior, havendo uma espécie de auréola que permite a fixação da iluminação. Há também os chapéus de couro cozido, que podem ser usados, mas são mais quentes e protegem menos. Por fim, os capacetes militares e mineiros são muito usados, mesmo sendo mais pesados. São menos flexíveis e têm maior probabilidade de causar acidentes se, pela falta de jeito, soltarem-se em abismos.” (GUÉRIN, H. P. “Spéléologie: Manuel Technique”. Paris: J. Susse, 1944. pp. 20-22. Tradução livre).




EM TODO O MUNDO, essa mesma lógica de aproveitamento de equipamentos de proteção concebidos à mineração, mas que foram amplamente empregados na Espeleologia, foi identificada, como se vê no Reino Unido e nos Estados Unidos. Sobre os EUA, há farta documentação da National Speleological Society - NSS registrando as expedições primitivas, nas quais as boinas ou bonés dos mineiros (miner hat) aparecem ao lado de capacetes tradicionais da mineração norte-americana, tais como o Bullard, MSA ou Flexo Band. O trabalho de Roy Pinney, na década de 1960, sintetiza todo esse pensamento, pois, especialmente dos anos 1940 até o início dos anos de 1980, havia grande utilização dos capacetes mineiros na exploração de cavernas na América do Norte:

Chapelaria é (...) uma necessidade absoluta, em todas as expedições de Espeleologia, como proteção contra objetos que não são, às vezes, percebidos, como estalactites baixas, arestas de rocha e tetos-baixos, bem como as pedras soltas que podem cair. O capacete mineiro de fibra, equipado com um suporte para lanternas, é o tipo mais usual, mas qualquer um dos modelos de segurança padrão pode ser adaptado para uso em cavernas. (PINNEY, R. “The Complete Book of Cave Exploration”. New York: Coward-McCann, 1962. pp. 148-149. Tradução livre.)

O cenário global, portanto, ao final da década de 1950, com relação ao uso de capacetes em cavernas, era exatamente esse: de uma consonância em torno do emprego – muitas vezes com adaptações para o uso da iluminação por gás acetileno ou lâmpadas elétricas – de modelos de cascos consagrados à mineração, construção civil, ao uso militar ou outras atividades esportivas como o motociclismo. Nesse ambiente, destacam-se marcas como as inglesas Cromwell, Bathgate e Huwood; e as norte-americanas como Bullard e MSA. Contudo, em todos os países, equipamentos de fabricantes locais eram destinados ao mesmo fim.

Contudo, após a segunda metade da década de 1960, começa a ocorrer uma pequena revolução dos capacetes de Espeleologia, pois, mesmo a maior parte dos equipamentos ainda sendo oriunda de adaptações, o plástico começa a invadir as linhas de produção, substituindo antigos materiais, e, rapidamente, uma variedade de produtos e cores toma conta de espaços que antes estavam reservados, unicamente, à fibra vegetal ou aos resinados. Um exemplo disso são os capacetes espanhóis do fabricante Aleu, que receberam a marca de fantasia Duraleu-Forte, e, oriundos de uma manufatura de cascos para motociclistas e corredores automobilísticos, logo ocupou um nicho de mercado associado à prática de esportes outdoor e inaugurou uma nova fase de produção na Espanha. Outros fabricantes, igualmente deram início a produtos para montanhistas e outros esportistas, fenômeno que foi analisado, em 1973, pelo francês Georges Marbach:

O capacete de plástico destronou seus antecessores de aço ou duralumínio. O capacete usado em construção civil, geralmente feito em PVC, é relativamente sólido. Também tem preço bastante acessível. O capacete de montanha custa mais caro, mas é muito mais resistente que os modelos usados em canteiros de obras. É frequentemente reforçado com fibras de vidro. Somente esse tipo de casco pode ser garantido contra acidentes envolvendo quedas, pois, devido a suas alças em formato de V (três pontos), mantém-se firme fixado à cabeça. (DOBRILLA, J. C. MARBACH, G. Techniques de la Spéléologie Alpine. Paris: 1973. p. 02. Tradução livre do francês).

Eis que surge um novo elemento nesse cenário: o capacete concebido à prática esportiva de montanha e caverna e que, logo em seguida, atenderia, também, aos trabalhos verticais industriais. Esse tipo de equipamento representa o elo de ruptura que separa décadas de simbiose entre a mineração e espeleo, inaugurando uma série de pequenas manufaturas (Petzl, TSA), nos anos 1970, que iniciam o desenvolvimento de produtos voltados especificamente para a exploração e que, a partir dessa nova concepção, começam a agregar valores que estão intrinsecamente ligados ao esporte: leveza, resistência, troca de calor, impermeabilidade e variedade de cores ofertadas.

Toda essa evolução enfeixa a história e o próprio amadurecimento da Espeleologia, desde sua criação-descoberta até a consolidação-superação que advém da massiva acumulação de experiências e o surgimento de um mercado consumidor de produtos fabricados especificamente às atividades esportivas. A origem de tudo, porém, continua lá, separada dos tempos atuais por pouco mais de um século, intervalo em que deixamos de usar o couro cozido e saltamos aos polímeros industriais e às cadeias de carbonos, os compostos de policarbonato, que culminaram por entregar uma nova cara ao mundo do séc. XXI.

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